Crédito:Leo Garbin
Desde então, a mãe percorreu quartéis, pediu ajuda da igreja, de políticos e militares, da Cruz Vermelha e Anistia Internacional. Dedicou uma vida à busca. Mãe símbolo da Ditadura Militar brasileira, em campanha do governo Federal para a TV, recitou versos e comoveu com sua dor (“Hei de vê-lo voltar, ela dizia, o meu doce consolo, o meu filhinho. Passam-se anos, e o véu do esquecimento baixando sobre as coisas tudo apaga. Menos da mãe, no triste isolamento, a saudade que o coração esmaga.”). Tem 100 anos. Sua postura de combatente me servem de inspiração para escrever sobre a prática do jornalismo hoje, na proximidade do aniversário de 50 anos do Golpe.
Só tive o prazer de entrevistar dona Elzita Santa Cruz tardiamente. Escrevi matérias, li
sobre ela e sempre – sem exceção – caraminholei ideias sobre o uso do tempo. “Estamos na luta”, disse-me já com 98 anos, como se ignorasse a idade avançada. Mulher elegante, que ainda corrige a coluna ereta e enverga como poucas o belo par de brincos nas orelhas; vendeu joias e objetos pessoais, percorreu estados e enfrentou o perigo pelos filhos, cercados pela repressão. A determinação que a move me pareceu tão vigorosa que me lembrou àquela dos anos de chumbo.
Minutos antes de escrever esta coluna, soube que a Comissão Estadual de Memória e Verdade divulgou documento secreto do Ministério da Aeronáutica sobre a resposta a um pedido de busca referente ao regresso de banidos, asilados e auto-asilados ao Brasil. É um documento que atende ao clamor de dona Elzita para que sejam esclarecidas as mortes, assassinatos e perseguições políticas do período de chumbo, em nome de uma verdadeira anistia.
O acontecimento é mais que relevante nesse momento para mim, porque fui recrutada para fazer parte de uma equipe que produzirá um especial sobre os 50 anos do Golpe. O ensinamento de dona Elzita me serviu como uma luva nesta ocasião, pois nosso tempo é exíguo, uma vez que a ideia original sofreu mudanças. Como se sabe, jornalismo é dinâmico, e ocorre de um projeto virar de ponta cabeça quando as informações vão chegando e se ajustando. Historiadores precisam e têm tempo, mas jornalistas nem sempre. O que um repórter faz quando a empresa lhe convoca é procurar lidar com as intempéries. Nem sempre se pode esperar boas condições para a luta diária de uma redação.
Silvia Bessa é repórter especial do Diário de Pernambuco. Escreve sobre questões sociais e direitos humanos no Nordeste. silviabessape@gmail.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário