sexta-feira, 16 de maio de 2014

SEMPRE MÃE

Artigo do pesquisador social Fernando Antônio Gonçalves ressalta a luta incessante de Dona Elzita Santa
Cruz Oliveira na busca do corpo do seu filho Fernando desde 1974, desaparecido aos 26 anos.

Publicado no Jornal do Commercio de hoje- 16.05.14


Na revista Piauí 91, de abril
último, a reportagem A Verdade
da Comissão, da jornalista
Júlia Dualibi, onde “vaidades,
resistência militar e vastidão dos arquivos
dificultam investigação de crimes
da ditadura”, tem o seu trecho final
emocionante, que amplia pernambucanidade
e faz exemplar justiça
às mulheres de Pernambuco, as
de agora e as dos ontens que sempre
nos orgulharam.
A jornalista Dualibi ressalta a luta
incessante de Dona Elzita Santa
Cruz Oliveira na busca do corpo do
seu filho Fernando desde 1974, desaparecido
aos 26 anos, quando, em Copacabana,
depois de sair com um
amigo, avisou que, se não voltasse, é
porque teria sido preso. Os dois amigos
nunca mais foram vistos.
Na sua caminhada de heroína, Dona
Elzita, que comemorou 100 anos
recentemente e que viveu anos na
mesma casa, em Olinda, Pernambuco,
conservando o mesmo telefone,
na expectativa de um alô do filho
amado, não titubeou em enfrentar
múltiplos cretinos, a começar dos
funcionários do famigerado major
Ustra, que receberam de suas mãos
roupas e pertences para Fernando,
depois se acovardando, afirmando
ter sido um lamentável engano, posto
que ele não havia sequer passado
pelo já repugnante DOI-CODI.
Dona Elzita procurou seu filho
Fernando em São Paulo, no Rio e na
Argentina, recebendo inclusive, da
parte de um general fascista, a informação
de que seu filho teria se evadido
para o exterior. E de um outro militar,
que pouco honrava a farda, que
o filho se encontrava num manicômio.
Na perda da esperança de encontrar
o filho com vida, Dona Elzita
principiou a procurar o seu corpo, recebendo
até informações de que ele
havia sido esquartejado e jogado em
alto mar.
Para se ter noção da bravura desta
mãe pernambucana, basta contar um
fato. Em 2012, o ex-delegado Cláudio
Guerra, do Dops, em depoimento
em livro, revelou que Fernando se
encontrava entre os dez militantes,
mortos sob tortura, que foram incinerados
nos fornos da usina de açúcar
Cambahyba, no Rio de Janeiro, de
propriedade do empresário Heli Ribeiro
Gomes, ex-vice governador de
São Paulo.
Relutando em contar para Dona
Elzita, dada sua idade avançada, resolveram
cientificá-la com a presença
de médica especialista. Num jantar,
os parentes contaram a história.
E a reação foi de mulher bravia: “Isso
já está provado? Se não, vamos jantar.
Já passamos por muitas dessas”.
Dona Elzita costuma recitar uma
poesia que, diz ela, aprendeu quando
criança. Familiares confirmam ser
de sua autoria: “Passam-se os anos, e
o véu do esquecimento/Baixando sobre
as coisas, tudo se apaga/Menos
da mãe, no triste isolamento, a saudade
que o coração lhe esmaga.”
A sua bênção lhe peço, Dona Elzita,
pela bravura de ser mãe pernambucana!!


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