Valdemiro Pereira Barros e eu ingressamos juntos na Faculdade de
Direito da UFPE, em 1966, e deveríamos ter concluído o curso em 1970, caso não houvesse, nesse meio tempo, um incidente de percurso. Em dezembro de 1968, o Regime Militar então vigente baixou o Ato Institucional Nº5; e também, visando o meio estudantil, o Decreto Lei 477. Aquele instrumento punia alunos e professores que lutavam pelas liberdades democráticas com pena de expulsão e proibição de ingresso em qualquer estabelecimento de ensino do País, pelo prazo de três anos. Valdemiro, Eneida Melo Correia de Araújo, Marlene Diniz Vilanova, José Áureo Bradley e eu fomos atingidos pelo famigerado 477, em setembro de 1969.
Nós todos, exceto Eneida, exilamo-nos, então, em Portugal, onde
conseguimos matrícula na Universidade Clássica de Lisboa. Lá
dividíamos o mesmo teto, partilhávamos a mesma mesa, e eu tive o
privilégio de desfrutar de perto da companhia e da amizade de
Valdemiro. A generosidade dele não conhecia limites e manifestava-se de forma indiscriminada, sem que fosse solicitada. Era tão grande como seu amor pela noiva, Clélia, que ficara no Brasil. Seis meses depois, entretanto, o SNI, Serviço Nacional de Informações da ditadura brasileira, nos descobriu e exigiu providências do governo português, a época também uma ditadura, comandada por Marcelo Caetano. Nossas matrículas foram novamente canceladas e fixado o prazo de 72 horas para que deixássemos o país. Valdemiro, Marlene e José Áureo tomaram o
difícil caminho da volta, enquanto eu segui para Louvain, na Bélgica, onde vivi por um ano, trabalhando como operário.
A última vez que estive com Valdemiro foi no dia sete de abril próximo passado. Por coincidência, no dia seguinte eu estaria viajando para Portugal, quarenta e dois anos depois da nossa estada por lá, para participar como representante do Parlamento Metropolitano do Recife de um Seminário Internacional sobre Erosão Costeira. Mas estávamos apressados e combinamos nos reencontrar, na minha volta, para finalizarmos a conversa. Quando retornei, no dia vinte, recebi a fatídica notícia da sua morte. Valdemiro sofrera um infarte no dia oito, exatamente quando eu cruzava o oceano, carregado das recordações daquele tempo, avivadas por ele. Um tempo de chumbo, certamente, de perseguições, de arbitrariedades, de violência. Mas, também, de
companheirismo, de solidariedade, de doação, de despreendimento,
virtudes que se vêem muito pouco atualmente, e ainda menos num grau tão elevado como aquele que Valdemiro possuía. Ele se foi, mas o seu exemplo continua vivo e presente.
Marcelo Santa Cruz
advogado e vereador PT Olinda
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