O Comitê Estadual de Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco (CMVJ-PE), fundado em
2010, composto por entidades e personalidades em torno da luta pelo resgate histórico em Pernambuco
e no País, bem como pela efetivação dos Direitos Humanos, vem por meio deste à público manifestar
toda sua indignação e repúdio aos pronunciamentos do Sr. José Paulo Cavalcanti Filho, membro da
Comissão Nacional da Verdade, com relação a interpretação que o mesmo reiteradamente tem
manifestado sobre a Lei nº 6.683/79, comumente chamada de Lei da Anistia.
Recentemente, o Sr. José Paulo Cavalcanti Filho, declarou que: “torturadores devem ser
responsabilizados no “plano moraL”, e “que é totalmente contrário a revisão da Lei da Anistia para levar
torturadores ao banco dos réus”. Ademais, afirmou que “o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou
pela intocabilidade da Lei da Anistia, ao julgar representação ajuizada pela Ordem dos Advogados do
Brasil”.
O CMVJ-PE contesta veementemente tais declarações, pelos seguintes motivos:
1. No âmbito da decisão do STF em torno da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) nº 153, há pendente de julgamento, recurso de Embargos Infringentes interposto pela Ordem
dos Advogados do Brasil, inconformada com a equivocada decisão da interpretação da Lei da Anistia de
1979. Neste sentido, a decisão ainda está passível de apreciação pelo STF, não cabendo aplicar o termo
“intocabilidade da Lei de Anistia”;
2. O Brasil foi condenado, no ano de 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA), no Caso da Guerrilha do Araguaia, dentre outras questões
a esclarecer e identificar os responsáveis pelos assassinatos e desaparecimentos forçados, ocorridos
no âmbito da cidade e no campo, e a rever a Lei nº 6.683/79, por tratar-se de uma autoanistia, forjada pelo
Congresso Nacional maculado pelo Pacote de Abril de 1977 e seus congressistas biônicos, e não de um
“pacto social” como insistem determinados setores;
3. O STF deve compreender que crimes de lesa-humanidade não são suscetíveis de serem
anistiados, além de serem imprescritíveis. É desta forma que a questão sempre foi tratada pelas
inúmeras resoluções da ONU e, principalmente, pelo Costume Internacional. A Convenção sobre
Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, de 1968, evocado pelo Sr.
José Paulo Cavalcanti Filho, tão simplesmente vem a reafirmar compromisso internacional já
previamente estabelecido e amplamente aceito, entendimento este adotado pela Suprema Corte da
Argentina. O Estado Brasileiro, relembramos ao ilustre comissionado, não assinou a referida Convenção
sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, de 1968, pelo fato
atroz de ter privilegiado a tortura como prática institucionalizada contra seu próprio povo, desde o início
do Golpe de 1964, fato este que deve ser levado em consideração pela Comissão Nacional da Verdade;
4. Faz-se notar interessante que o Sr. José Paulo Cavalcanti Filho, tenha citado juntamente com as
afirmações apresentadas acima, a que apregoa o fato de que "a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu", evocando cláusula pétrea da Constituição de 1988, em seu celebrado artigo 5º.
Entretanto, o referido membro da Comissão Nacional da Verdade, simplesmente esquece que neste
mesmo artigo, em seu inciso XLIII, pode ser encontrado o texto seguinte: “a lei considerará crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura (...), por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. É um absurdo querer associar a
Constituição Federal de 1988, no ano em que são celebrados os seus 25 anos de vigência, à ordem
NOTA DE REPÚDIOconstitucional antidemocrática e violadora dos Direitos e Garantias Fundamentais do povo brasileiro, em
atuação aos tempos da Ditadura;
5. O debate sobre a Lei de Anistia não é algo fadado ao fracasso ou ao passado, haja vista que
durante o Encontro Nacional dos Comitês de Memória, Verdade e Justiça, ocorrido, ha pouco, no Estado
de São Paulo, com a presença da Comissão Nacional da Verdade, foi aprovada moção da Sociedade
Civil, no sentido de apoiar integralmente, o Projeto de Lei nº 573/2011, de iniciativa da Deputada Federal
Luiza Erundina, o qual da interpretação autêntica ao disposto no art.1º, §1º da Lei 6.683/79, propondo
que “não se incluem entre os crimes conexos, definidos no art. 1º §1º da lei nº 6.683/79, os crimes
cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto,
praticaram crimes políticos”. Desta forma, a aprovação deste projeto é realmente muito importante para
o efetivo cumprimento da sentença condenatória contra o Estado brasileiro, proferida, pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
O Comitê Estadual da Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco (CMVJ-PE) exige uma
posição pública da Comissão Nacional da Verdade e das demais Comissões Estaduais e Municipais, em
atuação no País, com relação às declarações destoantes e infelizes do membro da Comissão Nacional
da Verdade, o Sr. José Paulo Cavalcanti Filho, as quais são desrespeitosas a toda uma luta promovida
pelos familiares dos mortos e desaparecidos políticos, instituições democráticas e Entidades de Direitos
Humanos, bem como a todo o povo pernambucano, cuja cota de sacrifícios e de sangue dos seus filhos
para deter a fúria assassina daquele regime foi uma das maiores do país.
O CMVJ-PE continuará a lutar pelo esclarecimento da verdade, identificação dos torturadores e o
fornecimento de subsídios contundentes ao Poder Judiciário, para que no futuro não tão distante possa
haver, a responsabilização dos que enquanto violadores dos Direitos Humanos atuaram durante o
regime ditatorial brasileiro e o fim da reprodução das mentiras e leviandades históricas, que não mais
está encontrando guarida sorrateira na opinião pública na forma de argumentos falaciosos de
autoridade.
PELA MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA NO BRASIL!
PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA!
(Comissão Executiva do Comitê Estadual da Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco: Edival
Nunes Cajá, Rodrigo Deodato, Anacleto Julião, Amparo Araújo e Marcelo Santa Cruz)
Recife, 04 de Junho de 2013.
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