terça-feira, 23 de abril de 2013

A história não absolverá


Diário de PERegime militar tinha interesse em preservar assassinos do padre Henrique para impedir repercussão internacional

Jailson da Paz
jailsonpaz.pe@dabr.com.br
Publicação: 23/04/2013 03:00
A Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara obteve documentos que confirmam caráter político do crime (JULIO JACOBINA/DA/D.A PRESS)
A Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara obteve documentos que confirmam caráter político do crime
Por mais de quarenta anos, os nomes dos verdadeiros assassinos de padre Antônio Henrique Pereira Neto, torturado e morto em maio de 1969, em plena ditadura militar, sempre provocaram polêmica. A Justiça nunca chegou a um veredito. E o processo prescreveu. Mas a Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Camara, com base em relatórios confidenciais do Serviço Nacional de Informação (SNI) e do Centro de Informação da Marinha (Cenimar), encontrou provas contra os que podem ser os responsáveis pela morte do padre. E mais: o crime teve caráter político, ao contrário do que sustentou o governo da época. 

A comprovação do envolvimento dos policiais civis na morte do sacerdote - auxiliar direto de dom Helder, considerado um inimigo da ditadura - era uma das preocupações do governo militar. Na informação 685, de junho de 1970, o relatório do SNI ressalta haver indícios suficientes que apontam ter sido o trucidamento de padre não um crime praticado por viciados em drogas, como chegou-se a dizer, mas “de jovens radicais da direita em coautoria com investigadores da Polícia Civil de Pernambuco”.

Os investigadores “implicados” eram Rivel Rocha, o Cabo Rocha e já falecido, e Humberto Serrano de Souza. Esse nunca teve o nome citado no processo, que já prescreveu. Os outros são os estudantes e integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) Rogério Matos do Nascimento e de Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues, na época com 17 anos e sobrinho do ex-diretor da SSP, José Bartolomeu Lemos Gibson.

Diante dos indícios, o autor do relatório afirma que eram imprevisíveis as consequências “maléficas” do envolvimento dos elementos policiais. “Haja visto que os opositores do governo irão explorar o fato ao máximo, talvez mesmo no âmbito internacional”, ressalta o documento. O caso, mesmo sem desfecho, teve repercussão mundo afora. Na época, dom Helder já era bastante conhecido internacionalmente e havia passado a ser defensor de presos e desaparecidos políticos. Foi aí, segundo o relator do processo de padre Henrique, o advogado Henrique Mariano, que o ministro da Justiça,  Alfredo Buzaid, envia o consultor jurídico do ministério, Leonardo Greco, ao Recife.

Greco, ainda vivo, analisou todo o inquérito. E ao relatar o caso, por escrito a Buzaid, em agosto de 1970, sustentou que para “impedir o desastroso desenlace do processo” tomou duas  providências. Uma delas foi obter do promotor à frente do caso, José Ivens Peixoto, o “compromisso de não concluir as alegações sem antes receber expressa orientação do Ministério da Justiça. A segunda providência foi estabelecer o entrosamento entre a SSP e o promotor público José Ivens. Isso para que fossem fornecidos “todos os elementos necessários para desfazer o equívoco a que estava sendo conduzido pela perniciosa atuação da família e da defesa dos acusados”. Desse modo, acreditava o  Greco, o caso chegaria a “um bom termo” e não seria explorado “por parte de grupos interessados na subversão da ordem e da autoridade pública”.

Manipulação

“Os documentos provam a total manipulação das conclusões do Ministério Público e a subserviência desse ao Ministério da Justiça”, disse Henrique Mariano. Aliado a isso, os passos de dom Helder eram monitorados 24 horas por dia. Agentes da Delegacia de Segurança Social se revezavam em escutas telefônicas, tanto antes quanto após a morte de padre Henrique. Em um dos relatórios, quatro dias após a morte, dom Helder diz não acreditar que a polícia iria descobrir pistas sobre os assassinos. 

Na época, a conclusão do processo foi de que se tratava de um crime comum. “Mas o crime foi iminentemente político”, reforçou Mariano. A base documental para isso seria um documento confidencial do Cenimar, apreendida em Fortaleza (Ceará) com o abade Daniel Jouffe, francês que dirigia a Equipos Docentes de America Latina (Edal). O nome de padre Henrique, com a palavra “falecido” ao lado, é o décimo quinto em uma lista de 55 pessoas nominados como integrantes do Edal, que recomendava o engajamento dos “equipistas” na vida social, econômica e política.

Para a irmã de padre Henrique, Isairas Pereira Padovan, os documentos comprovam o que a família sempre acreditou. “Meu irmão não foi morto por um motivo qualquer. Os militares e os grupos de direita queriam atingir dom Helder”, argumentou. Ela defende que a comissão convoque todos os envolvidos no caso, inclusive o ex-consultor jurídico do Ministério da Justiça, Leonardo Greco.

Saiba mais

Rivel Rocha


Investigador da Polícia Civil, era conhecido no meio como Cabo Rocha. Foi reconhecido por diversas testemunhas como um dos integrantes da Rural verde e branca na qual foi o padre Henrique conduzido para o local do assassinato. 

Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues

Tinha 17 anos na época do crime e havia sido aluno de padre Henrique no Colégio Marista. Era sobrinho do promotor público e então diretor do Departamento de Investigação da Secretaria de Segurança Pública, José Bartolomeu Lemos Gibson.

Humberto Serra de Souz
Investigador da Polícia Civil. Foi a primeira vez que teve o nome citado referente ao caso do assassinato do padre Henrique. Atuava em conjunto com outros agentes da repressão em ações onde era utilizada, geralmente, a Rural Verde e Branca que servia ao diretor do Departamento de Investigações.

Rogério Matos do Nascimento

Era estudante e, segundo testemunhas, tinha a carteira de araque de polícia. Passou quatro anos e três meses preso. No entanto, foi solto depois que o Tribunal de Justiça reviu a condenação e o inocentou por falta de provas. Em novembro de 2012, ele depôs na Comissão da Verdade e negou participação no assassinato.

Padre Henrique, 28 anos, foi sequestrado em 26 de maio de 1969 após participar de reuniões na Madalena e no Parnamirim. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte na Cidade Universitária. Ele levou três tiros na cabeça. No Diario, a primeira notícia saiu no dia 28 de maio, entre os demais registros de polícia.

No dia 31 de junho, a primeira menção do assassinato de padre Henrique na capa do Diario. Em tempos de censura, a manchete era o concurso de Miss Pernambuco 1969 (venceu a de Belo Jardim). Por conta da repercussão do assassinato, o governo anunciava a criação de uma comissão para investigar o crime.

No dia 3 de junho, o Diario dedica quase uma página inteira para a cobertura do “caso padre Henrique”. A polícia anuncia que os prováveis assassinos faziam parte de um grupo ligado ao tráfico de drogas. O sacerdote teria sido morto porque estaria recuperando viciados em seu trabalho pastoral.

No dia 5, entre notícias sobre a investigação, o drama da mãe de padre Henrique, que escrevia cartas para o filho morto. Um dia antes, o Diario trouxe as fotos da autópsia do corpo. Ele teria recebido o tiro de misericórdia ajoelhado, já no matagal. A “Gang da Bolinha” continuava sendo a principal suspeita.

No dia 8 de junho, a polícia já admitia que não conseguia avançar nas investigações. Mais de um mês depois, no dia 20 de julho, e o caso já era considerado insolúvel. O juiz Aluisio Xavier não acreditava em crime perfeito. Ele queria mais investigações, principalmente dos suspeitos dentro da própria polícia.

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