quarta-feira, 30 de maio de 2012

Cadê Fernando?

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Cadê Fernando?

27/05/2012 01:02 - Pedro Nunes Filho*

Com esse nome, há milhares espalhados pelo mundo afora. Mas o Fernando de que lhes falo tem uma história que muita gente conhece, embora ninguém saiba de seu paradeiro... Quem houvera de saber? Sua mãe, Elzita, o pai, Lincoln, filho de Artur, que era filho de João, que era filho de Theotônio de Santa Cruz Oliveira, este nascido nas terras das Alagoas. Na segunda metade do século XIX, João migrou para Alagoa do Monteiro, na Paraíba do Norte, onde se casou com uma prima que lhe deu quatro filhos e uma filha. Os três mais velhos, Miguel, Artur e Augusto, formaram-se na Faculdade de Direito do Recife. Vocacionados para as letras jurídicas, seguiram caminhos diferentes. Miguel e Artur, magistrados, Augusto, advogado penalista e homem de armas, inteligente, destemido e impetuoso.

Falei dos antepassados de Fernando, mas onde ele se encontra mesmo, ninguém sabe. Sumiu e dá pena falar no assunto!... Mas é importante relembrar. Fernando foi vítima do próprio idealismo. Idealismo mata? Às vezes, sim. Matou Fernando. Melhor dizendo, mataram aquele moço só porque ele havia assumido o risco de lutar por igualdade e justiça social, ao lado de um punhado de jovens idealistas que um dia - acreditem em mim - existiram neste país e não existem mais. Ele sonhava com um Brasil melhor, sem miséria, sem fome, sem opressão. Sumiu porque ousou ir além dos sonhos. Militou. Agiu. Posicionou-se, dando um testemunho de coragem que os fracos não conseguem dar. Guerrilheiro? Não, embora participar de guerrilha não macule quem decide lutar contra ditadores sanguinários e não encontra outros meios. Fernando Augusto de Oliveira Santa Cruz, esse era seu nome completo, nasceu no Recife. Depois, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde era funcionário público, trabalhava, tinha residência fixa, esposa e filho.  Na repartição, assinou o ponto pela última vez, em 22 de fevereiro de 1974. No dia seguinte, foi ao encontro de Eduardo Collier, companheiro e militante político, jogado na clandestinidade pelos órgãos da repressão. Na data do fatídico encontro, os dois jovens sumiram. Até hoje! Vagam notícias por este Brasil afora - e deve ser verdade - dando conta de que ambos foram presos, torturados até a morte e depois, com mais outras vítimas, foram incinerados nas caldeiras de uma Usina, no Estado da Guanabara. Fizeram isso e ponto final. Não precisavam dar satisfação a ninguém. Muito menos às famílias.

Fernando nasceu em 20 de fevereiro de 1948. Sua mãe, Elzita,  hoje na casa dos 90 anos, lúcida e determinada, ainda tem forças para prantear o filho insepulto e clamar por justiça. Rosalina, irmã mais velha do moço Fernando, na época, também engajada na política estudantil, foi presa e torturada. Mas teve melhor sorte: sobreviveu. Hoje, professora na PUC de São Paulo, implora justiça à Comissão da Verdade. Não quer apenas esclarecimento dos fatos. Quer punição para os culpados.

A família Santa Cruz sempre assumiu posições firmes e destemidas em questões políticas, posiciona-se com bravura na trincheira da oposição e enfrenta mandatários atrozes.

Augusto, filho de João, pegou em armas para desbancar a oligarquia que dominava a Paraíba, em 1912. Sérgio Murilo, advogado criminalista e deputado federal por Pernambuco, não se encolheu nem se acovardou diante do arbítrio. Parlamentar combativo, lutou bravamente contra os horrores da ditadura nos anos 1960 e 70. Preso 13 vezes, teve seus direitos políticos cassados por 10 anos. João de Santa Cruz Oliveira, filho de Miguel, neto de João, era conhecido na Paraíba pela designação de “Santa Cruz, o advogado do povo.” Destemido, defendeu inúmeros presos políticos que não tinham posses. Outro descendente do mesmo clã era monge beneditino e respondia pelo nome religioso de Frei Benvenuto. Chamava-se José Petronilo Santa Cruz. Depois de deixar a vida monástica, tornou-se editor e livreiro em São Paulo, onde fundou a Livraria Duas Cidades, espaço que se tornou ponto de encontro de intelectuais da resistência ao regime de exceção. Pertinho de nós, Marcelo Santa Cruz, vereador atuante em Olinda, notabilizou-se por sua luta permanente em prol dos direitos humanos e liberdades individuais.

Esse é o testemunho que dou dessa família paraibana.
Minha geração, que foi testemunha ocular do arbítrio e vítima, quer que passem a limpo a história desse país, punam culpados, para que nunca mais a tortura volte a manchar de sangue o solo desse país, que sonha com liberdade, progresso e justiça social.

*É advogado tributarista - pnunesfilho@yahoo.com.br

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