Fonte: Jornal do Commercio (06.05.12)
MEMÓRIA Familiares de Fernando Santa Cruz atrasam nova edição do livro que narra seu desaparecimento para inserir revelações de ex-agente da repressão sobre destino do corpo
Sérgio Montenegro Filho
Era sábado de Carnaval no Rio de Janeiro, naquele dia 23 de março de 1974. O estudante de Direito Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, pernambucano, 26 anos de idade, saiu com alguns amigos para se divertir e desapareceu. Na época, Fernando era militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML), e já tinha seu nome nas listas dos órgãos de repressão. Ao longo de 22 anos, as buscas dos familiares se mostraram infrutíferas. Até a semana passada, quando foi exposto na internet parte do conteúdo do livro Memórias de uma guerra suja, do ex-delegado Cláudio Guerra, que será lançado no final do mês. Nos depoimentos, Guerra que atuou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio de Janeiro releva com detalhes como comandou a incineração de dez corpos de presos políticos torturados nos porões da ditadura. Fernando era um deles.
As revelações do ex-delegado que admite, no livro, ter participado de mais de uma centena de execuções de presos políticos coincidiram com os preparativos do relançamento do livro Onde está meu filho?, publicado pela primeira vez em 1985, por um grupo de jornalistas de Pernambuco, que narra toda a história de Fernando Santa Cruz, desde a militância estudantil na resistência à ditadura militar ao período posterior ao seu desaparecimento. A intenção dos seus familiares era, inicialmente, aproveitar a instalação da Comissão da Verdade criada pelo governo federal para apurar os crimes cometidos durante o regime de exceção no País prevista ainda para este semestre, e lançar uma edição revisada do livro, que serviria de subsídio às investigações da comissão.
A entrada de Cláudio Guerra em cena, porém, forçou o adiamento. Precisamos aguardar o livro do ex-delegado para acrescentar as declarações, porque por mais horripilantes que sejam, se forem procedentes, elas respondem à questão-título do nosso livro: o filho foi incinerado, explica um dos autores, Chico de Assis, jornalista e ex-preso político por mais de nove anos. A ideia, segundo ele, é lançar a nova edição no dia 28 de agosto, no 33º aniversário da promulgação da Lei de Anistia, que absolveu parte dos militantes da resistência e agentes da repressão.
Encarregado de organizar a nova edição, Chico de Assis afirma, no entanto, que existe a possibilidade de antecipar o lançamento, para que aconteça em paralelo à instalação da Comissão da Verdade, prevista ainda para este semestre. Ele adianta algumas das novidades que constarão na próxima edição, a ser publicada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Além das revelações do ex-delegado do Dops sobre o destino do corpo de Fernando Santa Cruz, serão incluídos novos textos e documentos. Um deles, escrito pela socióloga e historiadora Maria Amélia Teles, atualiza os acontecimentos de 1985 quando saiu a primeira edição a 1995, quando foi promulgada a Lei dos Desaparecidos Políticos, que instituiu as indenizações pagas pela União aos familiares. Este artigo trata, inclusive, de acontecimentos como a descoberta das valas comuns no cemitério clandestino de Perus (SP), onde vários corpos foram enterrados anonimamente, conta Assis.
A entrevista da mãe de Fernando, dona Elzita Santa Cruz, que consta na edição inicial, será substituída por um texto da sua filha mais velha, Rosalina Santa Cruz também presa e torturada durante o regime militar , narrando sua luta para encontrar o filho, que inspirou o título do livro. Haverá ainda artigos da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e do presidente da Comissão de Anistia do ministério, Paulo Abrão, sobre a criação e funcionamento da Comissão da Verdade. Também terá um da deputada federal Luíza Erundina (PSB-SP), dura crítica da comissão, que ela aponta como superficial, por ter apenas poderes de investigar, mas não de punir os responsáveis pelos crimes cometidos pela repressão.
A nova edição reapresentará uma cópia da carta escrita pelo único filho de Fernando, Felipe Santa Cruz, na época com 11 anos, cobrando das autoridades a volta do pai, e, em seguida, será inserida uma nova carta de Felipe, hoje advogado radicado no Rio de Janeiro, questionando as mesmas autoridades e perguntando quando poderá contar o final da história aos seus quatro filhos, netos de Fernando. Entre os documentos, o livro trará uma cópia do encaminhamento do caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop).
Fechando a nova edição, será acrescentada uma compilação dos fatos apurados sobre o desaparecimento e das principais pistas colhidas. Esta é uma inserção importante para subsidiar as investigações que vierem a ser realizadas pela Comissão da Verdade, justifica Chico de Assis. Além dele, assinam o livro os jornalistas Gilvandro Filho, Glória Brandão e Jodeval Duarte, além da jornalista e deputada federal Cristina Tavares, já falecida, que participou da primeira edição, cujos textos serão aproveitados. O escritor e jornalista Nagib Jorge Neto, encarregado da revisão dos originais em 1985, também assina a nova edição.
smontenegrofilho@gmail.com
Era sábado de Carnaval no Rio de Janeiro, naquele dia 23 de março de 1974. O estudante de Direito Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, pernambucano, 26 anos de idade, saiu com alguns amigos para se divertir e desapareceu. Na época, Fernando era militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML), e já tinha seu nome nas listas dos órgãos de repressão. Ao longo de 22 anos, as buscas dos familiares se mostraram infrutíferas. Até a semana passada, quando foi exposto na internet parte do conteúdo do livro Memórias de uma guerra suja, do ex-delegado Cláudio Guerra, que será lançado no final do mês. Nos depoimentos, Guerra que atuou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio de Janeiro releva com detalhes como comandou a incineração de dez corpos de presos políticos torturados nos porões da ditadura. Fernando era um deles.
As revelações do ex-delegado que admite, no livro, ter participado de mais de uma centena de execuções de presos políticos coincidiram com os preparativos do relançamento do livro Onde está meu filho?, publicado pela primeira vez em 1985, por um grupo de jornalistas de Pernambuco, que narra toda a história de Fernando Santa Cruz, desde a militância estudantil na resistência à ditadura militar ao período posterior ao seu desaparecimento. A intenção dos seus familiares era, inicialmente, aproveitar a instalação da Comissão da Verdade criada pelo governo federal para apurar os crimes cometidos durante o regime de exceção no País prevista ainda para este semestre, e lançar uma edição revisada do livro, que serviria de subsídio às investigações da comissão.
A entrada de Cláudio Guerra em cena, porém, forçou o adiamento. Precisamos aguardar o livro do ex-delegado para acrescentar as declarações, porque por mais horripilantes que sejam, se forem procedentes, elas respondem à questão-título do nosso livro: o filho foi incinerado, explica um dos autores, Chico de Assis, jornalista e ex-preso político por mais de nove anos. A ideia, segundo ele, é lançar a nova edição no dia 28 de agosto, no 33º aniversário da promulgação da Lei de Anistia, que absolveu parte dos militantes da resistência e agentes da repressão.
Encarregado de organizar a nova edição, Chico de Assis afirma, no entanto, que existe a possibilidade de antecipar o lançamento, para que aconteça em paralelo à instalação da Comissão da Verdade, prevista ainda para este semestre. Ele adianta algumas das novidades que constarão na próxima edição, a ser publicada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Além das revelações do ex-delegado do Dops sobre o destino do corpo de Fernando Santa Cruz, serão incluídos novos textos e documentos. Um deles, escrito pela socióloga e historiadora Maria Amélia Teles, atualiza os acontecimentos de 1985 quando saiu a primeira edição a 1995, quando foi promulgada a Lei dos Desaparecidos Políticos, que instituiu as indenizações pagas pela União aos familiares. Este artigo trata, inclusive, de acontecimentos como a descoberta das valas comuns no cemitério clandestino de Perus (SP), onde vários corpos foram enterrados anonimamente, conta Assis.
A entrevista da mãe de Fernando, dona Elzita Santa Cruz, que consta na edição inicial, será substituída por um texto da sua filha mais velha, Rosalina Santa Cruz também presa e torturada durante o regime militar , narrando sua luta para encontrar o filho, que inspirou o título do livro. Haverá ainda artigos da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e do presidente da Comissão de Anistia do ministério, Paulo Abrão, sobre a criação e funcionamento da Comissão da Verdade. Também terá um da deputada federal Luíza Erundina (PSB-SP), dura crítica da comissão, que ela aponta como superficial, por ter apenas poderes de investigar, mas não de punir os responsáveis pelos crimes cometidos pela repressão.
A nova edição reapresentará uma cópia da carta escrita pelo único filho de Fernando, Felipe Santa Cruz, na época com 11 anos, cobrando das autoridades a volta do pai, e, em seguida, será inserida uma nova carta de Felipe, hoje advogado radicado no Rio de Janeiro, questionando as mesmas autoridades e perguntando quando poderá contar o final da história aos seus quatro filhos, netos de Fernando. Entre os documentos, o livro trará uma cópia do encaminhamento do caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop).
Fechando a nova edição, será acrescentada uma compilação dos fatos apurados sobre o desaparecimento e das principais pistas colhidas. Esta é uma inserção importante para subsidiar as investigações que vierem a ser realizadas pela Comissão da Verdade, justifica Chico de Assis. Além dele, assinam o livro os jornalistas Gilvandro Filho, Glória Brandão e Jodeval Duarte, além da jornalista e deputada federal Cristina Tavares, já falecida, que participou da primeira edição, cujos textos serão aproveitados. O escritor e jornalista Nagib Jorge Neto, encarregado da revisão dos originais em 1985, também assina a nova edição.
Advogado cobra ação imediata do governo
Antes mesmo do lançamento do livro do ex-delegado Cláudio Guerra, o advogado Marcelo Santa Cruz, que integra a Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos, encaminhou na sexta-feira passada petição ao Ministério da Justiça. Ele cobra investigações sobre as declarações feitas pelo ex-agente da repressão, particularmente no episódio que envolve a morte do seu irmão, o estudante de Direito Fernando Santa Cruz, desaparecido em fevereiro de 1974. De acordo com os relatos, os cadáveres de Fernando e mais nove outros militantes teriam sido incinerados sob comando do ex-delegado em fornos da usina Cambahyba, no município de Campos (RJ), então pertencente ao ex-vice-governador Heli Ribeiro. É a primeira vez após 38 anos que há uma informação concreta e objetiva em relação ao sequestro e ocultação de cadáver de meu irmão Fernando Santa Cruz e de seu amigo Eduardo Collier Filho, justifica Marcelo Santa Cruz, acrescentando que não considera justo que familiares devam se encarregar das investigações, como vêm acontecendo desde então.
Cabe ao Estado Brasileiro, e em especial à Comissão Nacional da Verdade, implementar todos os esforços no sentido de aprofundar as investigações, recepcionando como roteiro o livro Memórias de Uma Guerra Suja, do ex-delegado do Dops, afirma o advogado, que também solicitou diligências na usina, acompanhado da comissão de familiares dos mortos. Ele pede, ainda, que seja oferecida proteção policial ao autor do livro. Pela primeira vez alguém responsável pelo trabalho sujo do regime militar resolve denunciar suas abjetas torturas e assassinatos praticados com a conivência do Estado, diz, aproveitando para cobrar a instalação da Comissão da Verdade, adotando como seu primeiro roteiro investigatório as informações sobre os militantes incinerados na usina.
Cabe ao Estado Brasileiro, e em especial à Comissão Nacional da Verdade, implementar todos os esforços no sentido de aprofundar as investigações, recepcionando como roteiro o livro Memórias de Uma Guerra Suja, do ex-delegado do Dops, afirma o advogado, que também solicitou diligências na usina, acompanhado da comissão de familiares dos mortos. Ele pede, ainda, que seja oferecida proteção policial ao autor do livro. Pela primeira vez alguém responsável pelo trabalho sujo do regime militar resolve denunciar suas abjetas torturas e assassinatos praticados com a conivência do Estado, diz, aproveitando para cobrar a instalação da Comissão da Verdade, adotando como seu primeiro roteiro investigatório as informações sobre os militantes incinerados na usina.
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