Jornal do Commercio - 03.05.12
MEMÓRIA Ex-delegado Cláudio Guerra assume ter incinerado corpos de dez ex-militantes de esquerda durante a ditadura, entre eles os de Fernando Santa Cruz e de Eduardo CollierSérgio Montenegro Filho
smontenegrofilho@gmail.com
A publicação de um livro de memórias do ex-delegado Cláudio Guerra que atuou no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) durante o período do regime militar pode causar uma reviravolta nas investigações sobre alguns desaparecidos políticos durante o regime militar. Entre eles, os pernambucanos Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier, sequestrados por agentes da ditadura, cujos corpos nunca foram localizados. Editado pela Topbooks previsto para ser lançado em 15 dias o livro Memórias de uma guerra suja foi escrito pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, a partir de depoimentos do ex-delegado colhidos nos últimos dois anos.
No livro, Guerra que atuou sob comando do temido delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury na perseguição às forças de resistência no País revela que ele próprio comandou a incineração dos corpos de dez militantes de esquerda, após terem sido torturados, num dos fornos da usina de açúcar Cambahyba, no município de Campos (RJ). A usina pertenceria, na época, ao empresário Heli Ribeiro, ex-vice-governador fluminense. Além dos dois estudantes pernambucanos, pelo menos quatro dirigentes do antigo PCB estariam entre os mortos: David Capistrano, João Massena, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho. Completam a lista João Batista e Joaquim Pires Cerveira, Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva.
Declarando-se um matador em busca da paz, Guerra admite, nos depoimentos, ter participado do atentado no Riocentro (RJ) ocorrido em 1º de maio de 1981, durante show do Dia do Trabalho e confessa seu envolvimento no assassinato de uma centena de pessoas durante a ditadura. Entre outras revelações, afirma que o delegado Sérgio Fleury foi morto por setores das próprias Forças Armadas, como queima de arquivo, porque estaria fugindo ao controle.
CRÉDITO
A notícia da publicação de Memórias de uma guerra suja causou expectativa entre os familiares dos mortos e desaparecidos, que até hoje tentam encontrar os restos mortais dos seus entes. O depoimento do ex-delegado merece crédito, porque ele não está acusando ninguém de matar os militantes, e sim admitindo que ele mesmo os matou, afirma Ivan Seixas, um dos dirigentes da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. Seixas foi o responsável pelo mapeamento de alguns desaparecimentos no Rio, e diz que os dez nomes dados por Guerra no livro batem com a sua lista. Agora é esperar o livro sair para checar as informações, explica.
Irmão do militante Fernando Santa Cruz, o advogado e vereador de Olinda Marcelo Santa Cruz (PT) também é cauteloso ao analisar a questão. Ele já encomendou o livro, e também recomendou ao filho de Fernando, Felipe Santa Cruz advogado atuando no Rio que investigue as informações. É a primeira vez que alguém que participou das torturas e assassinatos resolve falar. Esse livro é um documento, e assim que ele sair, cabe ao Ministério Público e às famílias deflagrarem uma ampla investigação sobre mais essa monstruosidade cometida pela ditadura, afirma Marcelo.
Para ele, o ex-delegado, assim como outros agentes, agiram como instrumentos da repressão, mas o grande culpado é o Estado brasileiro. Há informações de que Guerra estaria, inclusive, sob proteção policial. Queremos este homem vivo. Ele tem muito a dizer, completou.
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